O que a ciência diz sobre hiperplasia muscular em usuários de esteroides anabolizantes
O aumento extremo da massa muscular em atletas de fisiculturismo, especialmente nas categorias profissionais como a Open Bodybuilding, levanta uma pergunta antiga e recorrente: esse volume muscular impressionante é resultado apenas de hipertrofia das fibras musculares, ou também ocorre um aumento no número de fibras (hiperplasia)?
Apesar de muitas especulações, a resposta exige compreensão dos conceitos fisiológicos básicos e análise criteriosa das evidências científicas disponíveis.
Hipertrofia x Hiperplasia: qual a diferença?
- Hipertrofia muscular: aumento do volume das fibras musculares existentes, principalmente pelo crescimento das miofibrilas, aumento do conteúdo citoplasmático (como glicogênio) e maior densidade de mionúcleos;
- Hiperplasia muscular: aumento do número de fibras musculares (novas células), um processo comum em tecidos com alta capacidade regenerativa, como o fígado, mas limitado no tecido muscular esquelético humano.
Enquanto a hipertrofia é amplamente documentada em resposta ao treinamento e estímulos hormonais, a hiperplasia permanece controversa em humanos.
O que mostram os estudos com doses suprafisiológicas?
Um estudo marcante realizado por Bhasin et al. (2002) buscou esclarecer essa questão ao investigar o efeito de diferentes doses de enantato de testosterona na composição muscular de homens saudáveis.
Metodologia:
- 64 homens entre 18 e 35 anos, divididos em grupos que receberam 25, 50, 125, 300 e 600 mg/semana de testosterona por 20 semanas;
- Avaliação de massa muscular total e biópsia do músculo vasto lateral em 39 participantes;
- Objetivo: distinguir se o aumento muscular estava associado à hipertrofia ou hiperplasia.
Resultados principais
- Apenas os grupos que receberam 125 mg ou mais por semana apresentaram ganhos significativos de massa muscular;
- Não foi observado aumento no número de fibras musculares (ou seja, sem evidência de hiperplasia);
- O aumento muscular foi dose-dependente e relacionado à área de secção transversa das fibras (hipertrofia);
- Densidade de mionúcleos aumentou nas fibras tipo I nos grupos de 300 mg e 600 mg, e nas fibras tipo II apenas no grupo de 600 mg;
- Proporção entre fibras tipo I e II permaneceu inalterada em todos os grupos.
Limitações do estudo
O próprio autor reconhece que o trabalho apresenta limitações importantes:
- Apenas duas biópsias foram realizadas (início e após 20 semanas);
- Apenas um músculo foi analisado (vasto lateral do quadríceps);
- Não se pode extrapolar que o mesmo padrão ocorra em outros grupamentos musculares ou com tempos de uso prolongados de esteroides anabólicos androgênicos (EAA).
Portanto, não há comprovação científica sólida de que o uso de EAA em doses suprafisiológicas induza hiperplasia muscular em humanos.
Conclusão: aumento muscular, sim — mas por hipertrofia
Com base nos dados atuais, incluindo o estudo de Bhasin e colaboradores, podemos afirmar que doses suprafisiológicas de testosterona promovem hipertrofia muscular significativa, associada ao aumento da área das fibras e da densidade de mionúcleos.
Entretanto, não há evidência de que esses ganhos estejam relacionados à formação de novas fibras musculares. A hiperplasia muscular permanece uma hipótese ainda não comprovada em humanos, especialmente em condições fisiológicas ou mesmo sob uso de esteroides.
Enquanto isso, o volume muscular extremo visto em fisiculturistas deve ser creditado à combinação de:
- Genética favorável;
- Treinamento de alto nível;
- Estratégias nutricionais específicas;
E, em muitos casos, uso de EAA em altas doses e por longos períodos.
Referência científica:
Sinha-Hikim I, et al. Testosterone-induced increase in muscle size in healthy young men is associated with muscle fiber hypertrophy. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2002 Jul;283(1):E154–64. doi: 10.1152/ajpendo.00502.2001